A ciência de ser você


por Rodrigo Rezende
Há alguns instantes, você decidiu pegar esta revista, folhear até esta página e começar a ler este texto. Bem, você não decidiu isso sozinho: pode dividir a responsabilidade com seus ancestrais primitivos, sua mãe, seus amigos, traços imutáveis da personalidade e até com a gente - afinal, escolhemos este assunto imaginando que você ia gostar. E, no futuro, o processo pode incluir um chip na sua cabeça. Mas pode ter certeza: a interpretação que você vai fazer é única. Nas próximas páginas, 7 matérias que vão ajudar a entender aspectos neurológicos, psicológicos, sociais, antropológicos, consumidores e secretos da pessoa mais importante do mundo: você.



Parte 1
 
Como você virou você
Essa pessoa que você chama de "eu" nem sempre esteve aí. Entenda a formação da sua consciência

Seus olhos acabam de bater nas manchas pretas que formam as letras desta frase e, como mágica, uma voz surge na sua cabeça. Já parou para pensar o quanto isso é estranho? Pense uns dois segundos sobre isso. Agora reflita sobre algo ainda mais bizarro: quem estranhou a voz que surgiu do nada foi a própria voz, e é ela que segue extraindo sentido das manchas nesta página.

Não há nenhum pensamento dentro de você que ela não conheça. E tudo do lado de fora só tem o significado que ela enxerga. Na verdade, essa voz tem algo importante a dizer neste momento: ela é você. E costuma atender pelo nome de consciência.

Estudar o "eu" é um desafio para a ciência. Afinal, como usar evidências científicas para explicar o filme que se desenrola dentro do seu cérebro? Ainda mais se a única poltrona nessa sala de cinema mental já está ocupada por você. Aos cientistas, resta estudar a consciência a partir do que os outros contam - ou de algum vestígio de "eu" capturado em laboratórios. Aliás, descobertas recentes mostram que a consciência pouco se parece com um rolo de filme, cronológico e indivisível, e talvez seja tão fragmentada e imprevisível quanto uma TV mudando de canal. Para não perder o fio da meada, vamos voltar até onde essa história toda começou: quando você era pequeno.

Em formação

Para entender a infância da sua consciência, é preciso usar a imaginação - lembrar é impossível, porque você ainda não formava memórias. Estamos falando de uma época em que você ignorava tempo, espaço e limites do corpo. Pense que você não fazia ideia se os eventos eram rápidos ou demorados, se os lugares eram perto ou longe. Ou mesmo onde terminavam suas costas e onde começavam os braços em que você repousava.

Como cantava o miniastro francês Jordy, é duro ser bebê. Até os 4 meses de vida, seu cérebro se ocupava basicamente de processar seu contato com o mundo - ele não agia, só reagia. Fazia você acordar se estivesse repousado, chorar se o deixassem com fome, dormir se estivesse cansado. Além disso, as informações que você recebia através dos seus 5 sentidos provavelmente ainda não se separavam, vinham todas juntas. Nessa idade, mamar no seio da mãe é uma overdose de tato, olfato, paladar, visão e audição - não é à toa que você gostava tanto.

Essa mistura sensorial, conhecida como sinestesia, ainda não era você. Segundo o neurologista português António Damásio, é só aos 18 meses que surge algo que pode ser chamado de "consciência mínima".

Nesse momento, a integração entre os lobos frontal e parietal do cérebro fizeram a voz que lê este texto começar a balbuciar. Você passou a reparar em coisas como salgado e doce, liso e áspero, quente e frio, barulhento e silencioso, luminoso e escuro - além de se dar conta de que você é apenas um ser entre vários outros e que o mundo não some quando você fecha os olhos.

Quando você tinha entre seus 3 e 4 anos, seus circuitos neurais responsáveis pela linguagem e pela memória de longo prazo se desenvolveram, e nasceu a consciência ampliada: um eu com noção de passado e futuro, que acumula informações sobre si mesmo para formar sua identidade. Pela primeira vez, você começa a se lembrar de que foi ao parque ontem e que você tem que ir ao médico amanhã. E ainda: que você gosta de ir ao parque e nem tanto assim de ir ao médico, transformando isso em traços da sua jovem personalidade. O responsável por esse upgrade, que tornou possível você pensar sobre os seus pensamentos, é hoje a celebridade mais quente do mundinho neurocientíco: o neurônio-espelho.

Espelhar é precisoConcentre-se na seguinte imagem: um sujeito caminha descalço em um quarto escuro. Ele procura o interruptor para acender a luz e, distraído, pisa em um prego. É um prego pontudo, enferrujado, rasgando a pele, o músculo, a carne do sujeito, que sangra e grita de dor. Doeu em você? Obra dos neurônios-espelho. Eles reagem a estímulos que você vê ou imagina em outra pessoa como se ocorressem no seu próprio corpo. Todos os animais de inteligência superior - aqueles que conseguem enviar mensagens uns aos outros - têm os seus.

Mas o que o neurônio-espelho tem a ver com o surgimento dessa voz interna que pensa sobre si? Uma boa metáfora para responder a questão foi criada pelo cientista americano Douglas Hofstadter: o "eu" surge a partir de um processo parecido com o que ocorre quando apontamos um espelho para outro - é o resultado de uma sucessão infinita de imagens mentais sobre outras imagens mentais. E é quando os neurônios-espelho passam a refletir nosso mundo mental que pensamentos sobre outros pensamentos se tornam possíveis. É só aí que nos colocamos oficialmente acima dos chimpanzés e golfinhos: "A consciência humana é única no mundo natural", diz o neurocientista indiano Vilayanur Ramachandran.

Mas essa é apenas a ponta do iceberg. Ainda não é possível responder com segurança questões como "Uma pedra tem consciência?", "O vermelho que eu vejo é o mesmo que você vê?" e "Você é uma pessoa no mundo ou um cérebro dentro de um barril?"

Mesmo que a última pergunta seja verdade e o filme rodando aí atrás dos seus olhos não passe de ilusão da voz na sua cabeça, deixe-a lendo e falando. Ainda vale tentar decifrar nas próximas páginas o maior mistério de todos: essa coisa estranha que você chama de "eu".
Mentes que mentemÀs vezes a consciência fica inconsciente.

AnosognosiaO cérebro do deficiente se recusa a reconhecer sua deficiência. Ou seja, a pessoa perde um membro ou um sentido e acredita ainda estar com 100% da capacidade. Comum em vítimas de derrame.

Blindsight"Visão cega" em inglês. Problema de processamento neural em que uma pessoa com visão normal acredita que está cega. São famosos os casos de veteranos de guerra.

Múltipla personalidadeNão é invenção do cinema: algumas pessoas criam dentro do mesmo cérebro dois ou mais "eus", geralmente após eventos traumáticos.

Síndrome da mão alien
Um dos membros do corpo - geralmente a mão - parece agir por vontade própria, independente do corpo. Com o tempo, a pessoa passa a acreditar que o membro não é seu.

Síndrome de CotardDelírio raro, em que o paciente acredita que está morto, não existe, está apodrecendo ou perdeu órgãos internos. Em casos extremos, os médicos precisam espetar os pacientes com agulhas para que vejam o próprio sangue.


Para saber mais
O Erro de Descartes
António Damásio, Companhia das Letras, 1996.

Do Que É Feito o Pensamento
Steven Pinker, Companhia das Letras, 2008.



Parte 2Tudo sobre a sua mãe

Ela trouxe você ao mundo, secou suas lágrimas e criou você. Mas qual é a verdadeira relevância da sua mãe? Entenda aqui por que a pessoa mais importante da sua vida pode ter tido pouca influência sobre você.

Aos poucos, a barriga vai ficando grande e rígida. A pele se estica e racha. A coluna enverga: o quadril caminha para trás, os ombros caem. Dentro do corpo, o volume de sangue começa a aumentar até ficar 50% maior. Para dar conta de tanto líquido, o coração passa a bater acelerado, sem previsão de desacelerar nos próximos meses. Devagarzinho, uma força enorme vai empurrando órgãos internos: estômago, intestino e bexiga ficam atrofiados e desregulados. Manchas na pele, retenção de líquido, prisão de ventre. Depois de 9 meses, o resultado. De dentro desse corpo adoentado nasce uma criança. Junto com ela, vem ao mundo uma mãe - a pessoa mais importante que o bebê conhecerá na vida. Entenda aqui por que você pode culpá-la (ou agradecê-la) por tê-lo dado à luz. E por que, talvez, ela não tenha nada a ver com o que você é hoje. Com vocês, tudo (ou quase) que a ciência diz sobre a sua mãe.

Ninguém tem dúvidas de que a mãe influencia a vida dos filhos. Essa ideia parece óbvia. Basta olhar ao redor: pais gentis, bem-educados e inteligentes costumam ter filhos gentis, bem-educados e inteligentes. Filhos de mães abusivas ou instáveis muitas vezes repetem o mesmo padrão na hora de casar e educar os filhos. Tudo indica que a maneira como foram criadas deixa marcas na vida das pessoas. E essa crença é reforçada pela psicologia. A mais importante das teorias psicológicas surgiu com o 2º austríaco mais famoso do mundo, Sigmund Freud. Ele também acreditava que a personalidade dos filhos é formada pelos pais.

As suposições do austríaco são muitas, e ele mesmo não parou de reescrevê-las até sua morte, em 1939. O que não muda muito é a ideia de que o desenvolvimento da personalidade passa por diversas fases na infância - focadas em rituais como a amamentação, o uso do penico, a descoberta dos órgãos sexuais. Se os pais atrapalharem a passagem dessas fases, a criança pode se tornar um adulto compulsivo ou imaturo ou agressivo... e por aí vai. Todas as fases descritas por Freud podem ser observadas em crianças pequenas, mas os indícios científicos de que elas sejam determinantes para a personalidade na vida adulta são frágeis. Por isso, ultimamente, o pai da psicanálise tem apanhado bastante. "Freud raramente é estudado nos departamentos de psicologia das grandes universidades hoje em dia. Você pode encontrá-lo muito mais nas aulas de história ou de literatura", diz Paul Bloom, professor de psicologia da Universidade Yale, nos EUA, em seu curso de graduação. Realmente, antes de Freud, o papel dos pais era muito diferente. Uma mãe dos tempos das cavernas estava preocupada apenas em fazer o filho sobreviver à infância. Da idade média ao século 18, o filho era considerado posse dos pais e podia ser ignorado e maltratado a valer. Até o século 20, os pais eram aconselhados a não demonstrar amor pelos rebentos. É duro dizer isso, mas acreditar que tudo o que sua mãe fez quando você era criança influenciou no que você é hoje é coisa apenas do nosso tempo e cultura.

Onde foi que eu errei?Mamãe mentiu para você. Provavelmente ela falou que gosta de todos os irmãos da mesma maneira, mas a verdade não é bem por aí. Toda mãe tem seu filho favorito - e trata cada irmão de maneira diferente. Um estudo que hoje já se tornou clássico, feito pelo biólogo americano Frank Sulloway em 1996, mostra que 66% dos pais admitem que preferem um filho a outro. E outra pesquisa confirma: 87% das mães reconhecem que amam mais o caçula.

Mas, antes que você odeie seu irmãozinho para sempre, é preciso entender que nem sempre é a ordem de nascença que cria o favoritismo. Mães tratam os filhos de maneiras diferentes simplesmente porque eles são diferentes. "As atitudes dos pais vão de acordo com a personalidade que a criança já tem de nascença", diz Viviane Feldens, doutora em psicologia e especialista em crianças. Vamos imaginar uma mãe com dois filhos: um retraído e outro impetuoso. É provável que o filho acanhado receba incentivos para se tornar mais extrovertido, mas que o filho destemido conviva com uma mãe que o impede de fazer as coisas. Ou seja, foram educados de maneiras opostas, apesar de ter os mesmos pais.

No caso acima, o temperamento que a criança traz de nascença determinou como ela foi educada. Em outros casos, como no aprendizado da linguagem, a educação que o filho recebe fica em primeiro plano. Foi ao observar essas questões que os psicólogos do século 20 elaboraram a pergunta tão temida por quem estuda personalidade: o que influencia mais, a genética ou a educação? Dez entre 10 psicólogos e cientistas preferem a resposta salomônica: "50% DNA, 50% educação". Ok, a genética é fornecida totalmente pelos pais. Mas e esse ambiente, do que se trata?

Vai brincar lá fora, vaiEm 1931, numa época em que a ética não era grande empecilho para desenvolver a ciência, um casal de psicólogos americanos decidiu testar o que influenciava mais uma criança: a genética ou a educação. Para fazer isso, adotaram uma bebê chimpanzé, Gua, que foi criada exatamente da mesma maneira como seu filho humano recém-nascido, Donald. Durante quase dois anos, Gua e Donald faziam tudo igual. E, para desespero dos pais, Gua aprendia tudo sempre muito mais rapidamente. Ela usou talheres primeiro, ajudava a se vestir com mais facilidade e começou a avisar os pais que precisava do penico antes de Donald. E o mais bizarro: ensinou o irmão a falar macaquês. Com quase 2 anos, numa idade em que as crianças já têm um vocabulário (humano) de 50 palavras, Donald ficava no "uh-uh, uh-uh". Como era de esperar, a essa altura do experimento, Gua foi mandada de volta para o zoológico. O que esse estudo nos diz? (Não, nada disso. Donald não era menos favorecido no quesito inteligência. Quando adulto, ele se formou em medicina em Harvard.) O experimento mostra que, apesar dos genes humanos, Donald estava agindo de acordo com o ambiente onde fora criado, o da irmã macaca. Mas a pergunta central aí é outra: por que o menininho estava se adaptando aos hábitos do chimpanzé e não aos dos pais?

A resposta: talvez outras pessoas, que não os pais, sejam mais importantes no desenvolvimento da criança. Por que tantos pais flamenguistas não conseguem evitar que seus filhos virem pequenos vascaínos? Por que filhos de pais imigrantes aprendem a língua do novo país como se não conhecessem outra língua materna? Tudo indica que os amigos têm mais importância na formação dos filhos do que se imagina.

A defensora da teoria "amigos são tudo" é a psicóloga americana Judith Harris. Para ela, os pais têm quase nenhuma influência no desenvolvimento do filho. E ela tem bons argumentos. Um deles é uma das maiores pesquisas já feitas com filhos adotivos. Há mais de 3 décadas, a Universidade do Texas vem acompanhando o desenvolvimento de 700 filhos adotados e suas famílias (biológicas e não) para medir fatores como inteligência, autoestima e ajustamento. Os resultados mostraram que, quando adultas, as crianças adotadas eram muito mais parecidas com seus pais biológicos do que com os pais adotivos, com quem tinham passado a vida toda. Em outras palavras, a criação de casa tinha deixado poucas marcas permanentes.

Para Judith, a única marca indelével trazida pelo ambiente vem dos amigos. A explicação é biológica. Durante milhões de anos de evolução, a nossa sobrevivência dependeu da capacidade de viver em grupo: aprendemos a agir, falar e nos comportar com as pessoas ao nosso redor. Aí é que está o pulo-do-gato: a criança reconhece o grupo nas pessoas da mesma idade e nicho que ela, ou seja, nos amigos - e não nos pais. Por isso Donald começou a imitar sua irmã macaca e ignorou a mãe. Por isso, no fim das contas, a criança torce pelo time, fala a língua e desenvolve a personalidade parecida com a dos amiguinhos. E a influência dos pais? Para Judith, eles que se contentem em fornecer a genética.

Trancamos no porão, então?Já que a educação dos pais não interfere no desenvolvimento dos filhos, não é preciso tratá-los com carinho e amor, certo? Errado. Peguemos o caso de Joseph Fritzl, o 2º austríaco mais infame do mundo. Ele trancou a filha durante 24 anos no porão, abusou dela e teve 7 filhos frutos do incesto. A filha de Fritzl dificilmente será uma pessoa normal - e não é pela falta de amigos. Um experimento feito com filhotes de macacos Rhesus que sofreram abusos e foram negligenciados pelas mães mostrou que maus-tratos deixam sequelas cerebrais permanentes. Ou seja, quem sofre abusos na infância não produz serotonina em níveis normais, e vira um adulto deprimido e agressivo - que possivelmente também abusará dos filhos. É um caso inegável da mãe determinando a vida dos filhos. E há outros.

Religião, valores, habilidades artísticas ou esportivas, escolha da profissão: tudo isso pode ser influenciado pelos pais, porque são aspectos ensinados quase exclusivamente dentro do ambiente familiar - e não fora dele. "Quando os pais escolhem a escola onde vão matricular os filhos, já decidem também que tipo de amigo as crianças vão ter", diz Viviane Feldens. Quer dizer, decidem que tipo de amigo vai interferir na personalidade. É com a mãe também que a criança aprende a se socializar. São essas as referências que ela vai levar na hora de fazer as primeiras amizades. E, como se tudo isso já não fosse o suficiente, as mães ainda carregam o enorme fardo de ser a pessoa mais importante na vida dos seus filhos. Numa pesquisa feita no ano passado pelo Núcleo Jovem da Editora Abril, com 1 600 jovens de todo o país, as mães foram apontadas como a pessoa mais amada por 92% deles. (Os pais amargaram um distante 3º lugar, com 59%, atrás até de irmãos e irmãs.) Pois é, mesmo se ela não tiver influência alguma na sua vida, mãe continua insubstituível.

Mãe só tem muitasEm diferentes épocas e lugares, pessoas tentaram explicar como se forma a personalidade humana e acabaram colocando a mãe no meio.

Sem traumasNa maioria das sociedades tribais não existe a noção de que a mãe é essencial para formar a personalidade de ninguém. Nas tribos amazônicas, quem educa as crianças são os irmãos ou primos mais velhos. No mundo ocidental até o século 18, a moda era amarrar os braços e as pernas dos bebês para que eles dessem menos trabalho nos primeiros meses de vida. E, claro, não havia o conceito de trauma.

Freud explicaEle realmente tentou explicar tudo. Para Freud, a simples presença dos pais já tem consequências sobre a formação da criança. Os desejos e sonhos que a mãe projeta sobre o filho e a maneira como ela o trata definem a pessoa que ele será. Hoje, boa parte da psicologia se divide em duas: os que se baseiam na teoria de Freud, e os que a rejeitam.

Folha em brancoJohn Locke, o filósofo inglês, (não o careca do Lost) certa vez disse: "A mente do bebê é uma folha em branco". Esse virou o lema de alguns behavioristas, o grupo de psicólogos que achava ser possível moldar a personalidade da criança em qualquer direção. Para fazer isso, bastaria que os pais recompensassem os comportamentos desejados. A técnica funciona com alguns hábitos, mas não para formar caráter.

EstimulanteHoje, se sabe que a mente do bebê é tudo menos folha em branco. Ele percebe o mundo ao redor, reconhece pessoas e, mais importante, nasce com traços de personalidade já perceptíveis. Por isso, cabe à mãe estimular esse cérebro em formação. Ler em voz alta, conversar muito, tocar Mozart antes de dormir são algumas das dicas, que ninguém sabe ao certo se farão efeito na vida adulta.

Diga-me com quem andasA citação é da Bíblia, mas foi a psicóloga americana Judith Harris que a transformou em ciência. Para ela, são os amigos que formam a personalidade da criança. Eles é que ensinam linguagem, comportamentos e influenciam se a criança vai gostar de ler ou estudar, por exemplo. A mãe interfere nesse processo só ao escolher em que escola e bairro a criança vai crescer.

Para saber mais
The Nurture Assumption
Judith Rich Harris, Free Press, 2009.

Introduction to Psychology: Sigmund Freud
academicearth.org/lectures/foundations-freud



Parte 3
Dá pra mudar a personalidade?

Dizer que não é radical. Dizer que sim é mentiroso. Pois é... A resposta é mais complicada do que você pensa

Imagine um sapato. Olhando o estilo e o estado, você é capaz de supor muita coisa sobre o dono. Dá para imaginar como ele se veste, do que gosta, se é sério ou descontraído. Dá para arriscar seu escritor favorito, em quem ele votou na última eleição, se acredita em deus e até se ele faz o seu tipo. Sua personalidade é como esse sapato: um reflexo de como você se vê e de como é visto.

Parece que não, mas, para chegar a esse modelo de calçado, você fez muitas escolhas: filtrou influências, ouviu opiniões, testou conforto, analisou preço. Da mesma maneira, diversos fatores interferiram na formação da sua personalidade: seus pais, seus amigos, o lugar onde você cresceu, o período em que viveu. E sua genética, claro, que, do mesmo jeito que deixa uma forma única no sapato, molda uma parte de você.

O resultado é um conjunto de padrões de comportamento bem difícil de ser explicado ou medido pela ciência. Desde o fim do século 18, muitas teorias foram criadas. Hoje, uma das mais aceitas é a dos 5 Grandes Fatores, um modelo desenvolvido nos anos 80 pelos americanos Robert McCrae e Paul T. Costa. Ela conseguiu de maneira simples e abrangente classificar os traços de personalidade reconhecidos tanto por especialistas quanto por leigos.

Para criá-la, partiu-se do pressuposto de que todos os aspectos da personalidade humana estão registrados na linguagem que eu, você ou um habitante da Antártida usamos para definir alguém: implicante, curioso, falante, preguiçoso, organizado... Os pesquisadores juntaram todos os adjetivos possíveis e tentaram reuni-los em grandes famílias. Chegaram, assim, a 5 fatores - extroversão, neuroticismo, abertura à experiência, consciência e afabilidade -, cada um contendo dezenas de traços psicológicos.

A extroversão agrega tudo o que diz respeito à sociabilidade: em um extremo estariam pessoas com muita disposição, otimismo e afetuosidade; no outro, as mais sérias e reservadas. Neuroticismo foi o termo encontrado para reunir características relacionadas à estabilidade emocional. O nível de ansiedade, nervosismo e irritabilidade, por exemplo, é retratado nesse grupo. Abertura à experiência é o que mede o interesse por experimentar muitas áreas diferentes (aqui são registrados o senso de estética, as ideias e os valores). Dentro do fator consciência estão representados o senso de responsabilidade, a disciplina e o sentido prático. E o fator afabilidade basicamente diz como você se relaciona com outras pessoas - se é generoso, leal e sensível ou mais desconfiado e individualista. Teoricamente, todos os traços de personalidade poderiam ser encaixados em um desses grupos.

Essa padronização abriu caminho para o desenvolvimento de uma série de avaliações que tentam definir objetivamente a personalidade de alguém. Os testes medem os diversos traços em uma escala que vai, geralmente, de 1 a 5. No final, tem-se um retrato de quais são suas características dominantes e quanto elas são representativas na sua vida (veja mais na próxima página).

Você é assim. E agora?Isso significa que vai ser assim para sempre? Essa pergunta é o calo no pé dos estudiosos. Alguns dizem que, como o corpo, a personalidade muda ao longo do tempo. Outros rebatem que a personalidade seria como a cor dos olhos - se você nasceu com ela, vai morrer com ela. Para outros, o melhor paralelo é a altura: é desenvolvida até certa idade, depois estaciona e não muda mais.

A última versão é a mais aceita pelos especialistas. Mas você terá mais que 18 anos para se definir. Na verdade, terá por volta de 30. Depois disso, pouca coisa vai mudar. "Esse limite não é imposto pela biologia", diz Maria Elisabeth Montagna, professora de psicologia da PUC de São Paulo. "É apenas uma época em que se considera que o adulto já é independente e maduro. Dependendo da pessoa ou da cultura em que ela foi criada, a definição da personalidade pode vir antes ou depois."

O ponto é que a partir dos 30 anos a sua personalidade tende a se congelar como é. Um estudo feito nos EUA com pessoas que 45 anos antes haviam respondido questionários sobre a sua personalidade mostrou que os hábitos cultivados na velhice poderiam ter sido previstos por traços identificados na juventude. Jovens que demonstravam ser criativos, curiosos e liberais tinham se tornado velhos que com hobbies artísticos e que preferiam assistir a programas alternativos. E os que na juventude eram mais conservadores e pés no chão viraram idosos que se divertiam costurando, cozinhando, cuidando do jardim e vendo shows de auditório.

Quer dizer, então, que exatamente quando chegamos à fase adulta, quando melhor nos conhecemos e mais sabemos lidar com nossos conflitos, já não é possível mudar nada? Não é bem assim. Mas a partir daqui, amigo, você vai ter que trabalhar com o que você tem.

Dê uma olhada na pessoa 1, retratada em um dos gráficos ao lado. A bolota localizada bem no extremo inferior da parte marrom denuncia: é alguém passional, de humor instável, que costuma reagir antes de pensar. Passar para o outro lado do círculo e se tornar 100% controlada e fria é impossível. Mas ela pode, sim, aprender a prever suas emoções para evitar futuros arrependimentos. Seria, portanto, caminhar em direção ao centro do gráfico, suavizando uma característica inconveniente.

Do mesmo jeito, quem é muito tímido jamais vai ser o piadista da turma, quem é disciplinado não deixará de se incomodar com imprevistos, quem é muito conservador nunca usará uma camisa rosa-choque. Mas, com os trancos e as necessidades, dá para falar em público, se organizar em meio ao caos ou aceitar uma gravata rosada. Adaptar-se é uma questão de sobrevivência. O quanto você vai conseguir se adaptar é questão de força de vontade.

Pense antes de casarÉ que nem sempre querer é poder. Se não conseguir mudar o seu temperamento, a pessoa 1, por exemplo, terá uma boa desculpa: os traços de personalidade relacionados ao neuroticismo são os mais difíceis de mudar. Aqui estão adjetivos como passional, irritável, vulnerável e ansioso.

Foram esses os principais motivos do divórcio ou da infelicidade no casamento de 300 casais americanos que participaram de uma pesquisa realizada pelos psicólogos E. Lowell Kelly e James Conley e publicada em 1987. O questionário, aplicado a primeira vez em 1935 e mais uma vez 45 anos depois, demonstrou que instabilidade, reações explosivas e excesso de brigas exerciam influência muito maior nas crises de relacionamento dos casais que questões ligadas a trabalho, à família ou ao sexo. E pior: mesmo cientes disso, a maior parte dos cônjuges problemáticos não conseguiu se ajustar em prol do casamento.

A dificuldade faz sentido: os traços ligados ao neuroticismo são os com maior tendência a se tornarem transtornos psiquiátricos. Nesses casos, só com terapia.

Você está achando tudo um exagero e acabou de pensar em um monte de casos em que o marido ficou mais organizado, sociável e amoroso ao longo dos anos. É possível. Mas não se case pensando neles. Mesmo em campos aparentemente mais moldáveis, como o da extroversão ou o da consciência, a mudança costuma ser tímida (alguns estudiosos arriscam um máximo de 10%) e tem que partir da outra pessoa, e não de você.

Não conseguir mudar o outro é uma má notícia. Mas pense pelo lado bom: se o outro for você, pode não ser tão ruim assim. "A continuidade da nossa personalidade é a fonte para a constituição da nossa identidade", afirmam McCrae e Costa. O que eles querem dizer é que, no fundo, permanecer mais ou menos igual é importante para o equilíbrio da nossa vida. Não dá pra ser uma pessoa diferente a cada instante, simplesmente porque o mundo nos exige coerência. Você precisa saber quem você é e os outros, o que esperar de você. Ou, mais do que flexível, você pareceria um louco.


5 fatoresSegundo uma das teorias mais aceitas entre os psicólogos, tudo o que você é cabe dentro destes grupos. Veja alguns exemplos:

Extroversão- Reservado x afetivo
- Tímido x sociável
- Quieto x falante
- Insensível x passional
- Discreto x alegre

Neuroticismo- Tranquilo x tenso
- Constante x instável
- Satisfeito x autopiedoso
- Racional x emocional
- Seguro x inseguro

Abertura- Realista x imaginativo
- Convencional x original
- Rotina x variedade
- Pouco curioso x curioso
- Conservador x liberal

Afabilidade- Cruel x piedoso
- Duvidoso x confiável
- Mesquinho x generoso
- Crítico x tolerante
- Rude x cortês

Consciência- Negligente x responsável
- Preguiçoso x trabalhador
- Bagunceiro x organizado
- Atrasado x pontual
- Acomodado x ambicioso


Para saber mais
Teorias da Personalidade
Duane Schultz e Sidney Elle Schultz, Cengage Learning, 2008.

Personality in Adulthood
Robert McCrae e Paul Costa, The Guilford Press, 2006.



Parte 4Homem-primata

Desde os primórdios até hoje em dia, o homem ainda faz o que o macaco fazia. Acompanhe o cotidiano de Simão, um macho humano adulto, e saiba como nossos instintos pré-históricos ainda influem no século 21.

Cada bebê que vem ao mundo hoje enfrenta um dilema bizarro: como usar no século 21 uma mente da Idade da Pedra. Sim, parece exagero, mas o fato é que, fisicamente, você e os outros 6 bilhões de humanos são quase idênticos aos primeiros da nossa espécie, nascidos na África Oriental há 200 mil anos. Por trás de cada penteado moderninho há um homem das cavernas.

Essa é a área de estudo da psicologia evolutiva, que tenta explicar o comportamento humano com base em nossa bagagem primitiva. Na prática, claro, a coisa é um pouquinho mais complicada: mesmo do ponto de vista físico, a nossa espécie não parou de evoluir - tanto que nosso organismo aprendeu a digerir leite com ajuda de mutações que só surgiram depois que as vacas foram domesticadas. Mas boa parte do que consideramos tipicamente humano não mudou - como você verá ao acompanhar um dia na vida de Simão.

Simão (uma singela homenagem a nossos parentes símios) é um típico macho adulto jovem, lutando pela sobrevivência (e pela reprodução, que ninguém é de ferro) na selva de pedra. E tudo começa na sua caverna. Ou melhor, na garagem do prédio.

9h29 - VAI POSSANTEVestido com seu melhor (e único) terno, Simão toma o elevador, chega à garagem no subsolo, abre a porta do carro, gira a chave - e nada. Nada de o maldito motor ligar. A entrevista de emprego é dali a meia hora. "Vai, meu filho", suplica Simão ao carro. "Vai, desgraçado", dando pancadas cada vez mais nervosas no volante.

A situação parece banal, mas xingar um carro como se ele fosse um ser capaz de entender os palavrões é uma herança típica da nossa mente das cavernas. Quem diz isso é o arqueólogo britânico Steven Mithen, da Universidade de Reading, na Inglaterra. Mithen argumenta que a nossa mania de tratar objetos como gente é só um efeito colateral da criatividade do Homo sapiens.

Acontece que imaginação não era o forte dos nossos ancestrais. Nunca ocorreu a eles, por exemplo, usar osso, chifre ou conchas para fabricar ferramentas ou adornos - para os hominídeos, bichos eram comida, mais nada. Só criavam objetos muito simples, para caçar ou se proteger.

O surgimento do Homo sapiens mudou tudo isso, e Mithen aposta que com ele aparece uma nova forma de pensar, usando símbolos e misturando conceitos que antes estavam separados na cabeça dos hominídeos - como os de "animal" e "ferramenta", por exemplo. Essa revolução mental ajudou no desenvolvimento da tecnologia e da arte.

Mas teria um subproduto bizarro: o costume de achar que seu tacape, seu carro ou seu computador tem algum tipo de personalidade.

10h11 - NA PELE DO OUTROSimão desiste do carro e corre para um ônibus. Durante o percurso, sobe um menino de 10 anos pedindo ajuda para comprar o leite do irmãozinho. Ignorando solenemente a campanha "não dê esmola, dê futuro", nosso herói oferece umas moedas.

Atos como esse quase certamente são mais antigos que nossa espécie. Há indícios de que nossos "primos" neandertais ajudavam seus fraturados e doentes.

Considere a história contada pelo primatologista Frans de Waal sobre uma chimpanzé-pigmeia que viu um passarinho caído dentro da sua jaula. Com toda a delicadeza, a fêmea tentou fazê-la voar. Não deu certo, e ela passou a tarde junto dele, até que decolasse sozinho.

O que essas ações de humanos modernos, neandertais e chimpanzés-pigmeus têm em comum é o ajuste do seu comportamento baseado no que se imagina serem as necessidades do outro. É um talento muito útil na vida em sociedade, pois nos ajuda a costurar alianças, fortalecer amizades e produzir gratidão.

11h35 - NÃO À EXPLORAÇÃONa entrevista, a boa notícia é que Simão recebe a oferta de um novo emprego. A má é que o salário é uma merreca. Sem carteira assinada, aliás. Simão disfarça o mau humor e sai do escritório bufando - "prefiro fazer malabarismo no sinal".

Simão se daria bem com os macacos-pregos. Sarah Brosnan, da Universidade da Geórgia (EUA), mostrou que eles também preferem não ganhar nada a receber mixaria. Brosnan, num experimento sacana, treinava duplas para trocar pedras por comida. Só que ela oferecia a um macaco rodelas de pepino e ao outro uvas, mais cobiçadas. Resultado: revoltado com a injustiça, um dos bichos jogava pepino nas fuças da pesquisadora.

Não é racional - um pepino ou um salário baixo são melhores que nada -, mas especula-se que esse senso de ultraje surgiu nos primatas como um recurso contra espertinhos e exploradores.

14h17 - COMIDA BOA É A GORDADepois da proposta indigesta, Simão decide almoçar. Nosso troglodita requisita um chopinho, uma picanha com aquela gordurinha e uma porção de fritas. "Colesterol? Frescura", pensa ele.

Nossos ancestrais iam se sentir no céu só de entrar numa churrascaria. Acontece que viemos de uma linhagem de caçadores, que fazia de tudo para obter carne - em geral, sem sucesso. E a busca pré-histórica por menu gordo pode explicar nosso cérebro avantajado: a gordura animal é um excelente combustível para a massa cinzenta. Há indícios de que o Homo erectus completava a cota quebrando os ossos de animais abatidos e comendo o tutano lá de dentro.

Nada disso representava perigo para a saúde quando nossos ancestrais só conseguiam matar dois bisões por mês e morriam antes dos 30. Mas mantivemos o apetite por calorias diante de oportunidades quase ilimitadas para adquiri-las e de um estilo de vida que dificulta queimá-las. Simão é candidato a problemas cardíacos, e a culpa, em parte, é da Idade da Pedra.

19h44 - MODOS DE MACHOPara se livrar de vez do mau humor ligado ao quase novo emprego, Simão junta sua turma, todos torcedores do mesmo time, e se encaminha para o boteco com o objetivo duplo de assistir o clássico da noite no telão e se dar bem com alguma gata. Como era de esperar, os machos adultos acabam trocando palavrões com os torcedores do time rival, embora não cheguem às vias de fato.

Nada disso surpreenderia o primatologista Samuel Bowles, do Instituto Santa Fé, nos Estados Unidos.

Estudando dados arqueológicos e informações obtidas com tribos modernas de caçadores-coletores, Bowles afirma que a formação de grupos solidários (como a torcida de um time) e o surgimento de conflitos entre esses grupos ajudaram a forjar a sociedade humana.

Para Bowles, tanto a amizade interna quanto a inimizade externa seriam faces da mesma moeda. Quanto mais um grupo fica unido, mais ele consegue operar de forma intensa, coesa e, portanto, mais eficiente. Mas também é maior a tendência de ele competir com um grupo rival, que passou paralelamente pelo mesmo processo.

23h15 - MODINHAS DE FÊMEAFinda a baixaria, Simão finalmente tem uma brecha para se dedicar à paquera. Um detalhe que parece óbvio, mas é crucial: da turma de 10 amigos no boteco, quantos você apostaria que tomaram a iniciativa e quantos foram abordados? Não é preciso ser machista para saber a resposta: uma ou outra moça pode até ter dado a deixa com o olhar, mas a coisa dificilmente passou disso.

E não é difícil entender o porquê. É claro que, culturalmente, as mulheres não são incentivadas a tomar a iniciativa, mas, como essa é a norma em quase todas as sociedades do passado ou do presente, o mais provável é que essa dicotomia seja biológica, ao menos parcialmente.

Uma análise clássica das motivações de cada lado da paquera foi feita pelo zoólogo britânico Richard Dawkins em seu livro O Gene Egoísta. De forma resumida, pode-se dizer que, em espécies como a nossa, as fêmeas naturalmente são o sexo "caro", já que arcam com os custos pesadíssimos de gerar, parir e amamentar os bebês. Já para ser pai ninguém precisa mais do que 5 minutos de sexo sem proteção. Natural, portanto, a atitude mais direta dos homens durante a corte - mesmo que o objetivo não seja se reproduzir, muito pelo contrário.

Esse último detalhe deveria ser razão suficiente para que qualquer pessoa que já tenha usado uma camisinha (ou tomado pílula) não tenha medo das descobertas da psicologia evolutiva. O mero fato de que a gente consegue modificar em parte os nossos instintos ancestrais com esses aparatos modernos mostra que ninguém está autorizado a dizer "a evolução me fez assim" como desculpa para tudo.

A mistura esquisita de instinto e razão que é típica da nossa espécie indica que ninguém é totalmente livre nem totalmente escravo dos seus genes. E, claro, o único jeito de tentar controlar o homem-macaco dentro de nós é, antes de mais nada, entender o que ele quer da vida.

Para saber mais
A Pré-História da Mente
Steven Mithen, Editora UNESP, 2003.

Tábula Rasa
Steven Pinker, C. das Letras, 2004.



Parte 5Homem-produto

Até mais, seleção natural. Quem manda agora no nosso corpo somos nós. E o resultado disso pode ser uma nova espécie - mais forte, inteligente e, claro, bonita.

Não se ofenda, mas o seu corpo não é lá muito diferente dos exibidos pelo pessoal que viveu há 200 mil anos. (Na reportagem anterior, você viu que a mente também não...) A culpa não é sua. É da evolução, lenta que só. Mas isso está prestes a mudar. O homem descobriu um jeito de acelerar o processo. E esse jeito decreta praticamente o fim daquilo que comandou as mudanças do nosso corpo até agora: a seleção natural.

Voltando às aulas de biologia: a chave para a seleção natural é a reprodução. Indivíduos mais bem adaptados ao ambiente deixam mais descendentes que outros, um processo que acaba mudando, ao longo do tempo, nossa composicão genética - genes menos úteis desaparecem. Hoje não tem mais essa. Todo mundo espalha filhos por aí. "A medicina permitiu a vida de gente que não sobreviveria em ambientes competitivos. E a reprodução de gente que não se reproduziria", diz o geneticista Sergio Danilo Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais. Moral da história: a evolução pela seleção natural ficou irrelevante. Mas não, não vamos continuar como somos para todo o sempre. Temos ferramentas que nos deram as rédeas da evolução. Valeu, natureza. Mas agora é o homem que vai dar uma turbinada em si mesmo. Talvez até a ponto de produzir uma nova espécie: o Homo evolutis.

1. Mais forteO termo Homo evolutis é de Juan Enriquez, presidente da companhia de pesquisa americana Biotechonomy. Para ele, os cientistas estão perto de nos tornar uma espécie mais resistente. Ao HIV, por exemplo. Ainda que o vírus da aids esteja disseminado na África, um grupo de pessoas por lá parece imune à doença, graças a algo nos seus genes. E se esses genes fossem inseridos em óvulos e espermatozoides de todas as pessoas em idade reprodutiva do mundo? "Poderíamos criar uma geração de humanos resistentes ao flagelo do HIV", diz o biólogo James Watson, codescobridor da estrutura do DNA em 1953. Não é algo tão irreal - só um passo à frente da seleção genética praticada hoje (que consiste em escolher embriões que tenham ou não determinados genes). Neste ano, por exemplo, nasceu no Reino Unido o primeiro bebê selecionado para não ter o gene BRCA-1, ligado ao câncer de mama. A tecnologia também poderá nos fortalecer no futuro. O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, professor da Universidade Duke, nos EUA, está trabalhando em um exoesqueleto, uma espécie de robô que envolveria o corpo para nos proteger e ajudar quando estivéssemos fracos. Ele seria controlado pela mente. Pela mente? É. Nicolelis já provou que um macaco é capaz disso com um braço robótico. Agora quer fazer o mesmo conosco.

2. Mais beloQual será a aparência do Homo Evolutis? Entramos no campo mais controverso da conversa: a seleção de traços físicos. Se podemos selecionar e manipular genes para que um bebê seja imune a uma doença, dá para conceber uma criança com o tipo de cabelo, a cor dos olhos, a estatura que escolhermos para ela... certo? Sim e não. É bem possível que os cientistas cheguem lá, com o tempo. Teríamos o que se chama em outros países de designer babies (ou "bebês de designer"): embriões selecionados a partir da estética. Clínicas prometendo esse serviço aparecem e desaparecem, porque grande parte dos cientistas as encara como imorais. Ainda que superem a rejeição desse pessoal, os defensores da evolução do homem rumo ao belo têm outro obstáculo pela frente. Traços físicos são ditados não só por um gene, e sim pela interação entre vários deles. Ainda não dominamos a engenharia genética suficientemente para fazer a seleção e determinar esses traços com precisão. A coisa fica ainda mais complicada porque algumas características não dependem só dos genes. Dependem também da combinação entre genes e adaptação ao ambiente. Estudos feitos nas décadas de 1940 e 1950 comprovaram isso com plantas: aquelas que possuíam exatamente os mesmos genes - ou seja, eram clones - não desenvolviam características físicas iguais durante a vida.

3. Mais inteligente"Já aperfeiçoamos a memória de camundongos. Tem motivo pra que não tenhamos a mesma meta para o homem?", pergunta Watson. Parece que os cientistas acham que não. Pesquisas da Universidade da Califórnia mostraram que é possível criar novas memórias em um chip instalado no cérebro de ratos. Isso significa que, no futuro, poderíamos armazenar digitalmente nossas lembranças - seria como ter um hd extra conectado à mente. O futurólogo americano e especialista no assunto Ray Kurzweil acredita tanto na proximidade desse dia que diz querer "recriar" seu falecido pai. Como? Baixando todas as lembranças - dele próprio e de conhecidos - que contenham seu pai e colocando essa carga toda em um robô. Mas, calma, tem cientista estudando esse assunto com objetivos mais práticos. Seguindo a mesma linha de estudo de Nicolelis, pesquisadores da Universidade da Flórida anunciaram ter criado um implante cerebral que vai além de receber comandos: ele "aprende", absorvendo informação sobre nosso comportamento. Com isso, vira uma espécie de conselheiro, direcionando nosso cérebro para a forma mais eficiente de realizar cada tarefa. Mas nem todo mundo concorda com esses aperfeiçoamentos. Opositores dizem que eles poderiam dividir a sociedade em humanos "naturais" e "aprimorados". De qualquer forma, uma coisa é certa: como nunca antes, uma classe de criaturas está no caminho para dominar completamente seu destino biológico.

Para saber mais
DNA
James Watson, Arrow Books, 2004.



Parte 6
Como você mudou o mundo

Sem saber, você criou novos comportamentos e alterou os planos das maiores empresas do mundo. E olha que nem precisou se esforçar

"Ela jogava a cabeça para trás como se houvesse um céu que só ele podia ver. Apaixonou-se. Quis ver também." As frases são do livro de contos Bola da Vez, que será lançado em novembro. Estranhou o risco no texto? Ele indica uma das mudanças que o autor, o paulista Fábio Brazil, fez a pedidos de internautas. Brazil queria fechar as pontas de sua história, e pediu por um blog a opinião de qualquer interessado. Não precisava ser nenhum expert. Valia eu, você, a sua avó.

Esse pessoal palpiteiro não fez mais do que manifestar a própria opinião. Estavam sendo eles mesmos. E tem muita gente fazendo isso por aí. Só na última hora apareceram mais de 37 mil posts em blogs e cerca de 1 milhão de micromensagens no Twitter. É conversa sobre todo tipo de assunto, igual papo de boteco. Mas essa vontade de expressar o que pensamos e sentimos já mudou mais do que o livro de Fábio, ou do que o processo de produção de uma obra literária. Fez tudo no mundo funcionar a partir de pequenas contribuições - contribuições de gente como você. E pode ir se acostumando com isso. Cada vez mais, você será o centro das atenções.

A chave dessa mudança é o troca-troca virtual, no sentido politicamente correto da coisa. Trocamos visões de mundo, opiniões, informações, imagens, sons. E, na prática, isso já quebrou as pernas de pelo menos uma indústria: a de música.O Napster e outros programas de compartilhamento de canções tornaram o cd um artefato do passado. E deram impulso à interação entre internautas. De lá para cá, aprendemos a trocar tudo. Informação, pra começar. Em abril, o site do jornal The New York Times teve sua audiência superada pela do Twitter: 15,6 milhões de visitantes únicos contra 19,4 milhões. Do alto de seus 158 anos de idade, o jornal mais respeitado do mundo perdeu para um fedelho de 3 anos. O que isso significa? "Antes, alguém escolhia o que você leria nas mídias. Hoje cada um decide o que quer ler", diz Massimo de Felice, professor de comunicação digital da USP.

O resultado dessa integração, impossível antes da chamada web 2.0, é a formação de uma comunidade. Bem unida, aliás. Entre os internautas, 70% confiam na opinião que gente completamente desconhecida deixou em fóruns ou lojas online. É a mesma parcela que diz confiar nas informações que constam nos sites oficiais. Ou seja: para a maioria dos internautas, "Kátia-SP" ou "Joselito Lito" merecem o mesmo crédito que empresas, universidades, governos. E vale para tudo: de resenhas de filmes a reclamações contra supermercados. Isso fica mais claro ainda quando pensamos nas nossas férias. Quem viaja não é mais refém de hotéis. As pessoas estão recorrendo mais à casa de conhecidos - ainda que conhecidos virtuais. Só nesse ano, subiu 30% o número de pessoas procurando alguns serviços online de troca de casas. Funciona assim: você publica no site a foto da sua casa e diz pra onde gostaria de ir. Se aparecer um interessado, você passa uma temporada na casa dele enquanto ele fica na sua. Tem empresa nesse ramo há 50 anos, mas só com a internet a coisa deslanchou.

As empresas agradecem
Claro, alguém pensou rapidinho em como ganhar dinheiro com essas mudanças. Das 100 maiores companhias americanas, 54% usam Twitter, 32% mantêm blogs e 29% têm página no Facebook. Funciona. As empresas que menos se envolvem em redes sociais tiveram queda no faturamento de 6%, em média, nos últimos 12 meses. As que mais se envolveram, aumento de 18%, segundo um estudo que analisou as 100 marcas mais valiosas do mundo, divulgado em julho e feito pelas consultorias americanas Wetpaint e Altimeter Group. O caso de uma das empresas mais bem avaliadas pela pesquisa, a Dell, prova a tese. Em dois anos, a Dell já faturou US$ 3 milhões só com o Twitter - com vendas feitas a internautas que chegaram à loja online da companhia depois de ler seus tweets.

Por causa disso, tem um dedo seu em vários produtos que aparecem por aí. Nos da Starbucks, por exemplo, considerada a companhia que mais usa recursos da web 2.0 pelo estudo citado acima. Em 2008, a empresa lançou o My Starbucks Idea, um site para receber ideias de consumidores. Ao contrário do que acontece com as velhas caixinhas de sugestões, as propostas depositadas lá são lidas e votadas por qualquer um que queira participar. E pelos executivos da Starbucks - eles escrevem frequentemente aos leitores para dizer quais ideias agradaram à empresa, como elas serão desenvolvidas e como poderiam melhorar com mais ajuda dos internautas. Foi um hit: lá já estão mais de 75 mil propostas. Pelo menos 25 delas viraram realidade. Como uma versão míni do cartão de fidelidade da rede, feita para ser acoplada em chaveiros.

Esse é um modelo revolucionário se comparado ao que as empresas tinham antes: processos de pesquisa e desenvolvimento trancados a sete chaves. "Os consumidores estão reconfigurando os produtos de acordo com as próprias finalidades", afirmam Don Tapscott e Anthony Williams, no livro Wikinomics. Um poder e tanto pra quem só queria jogar papo fora na internet, não é?

TECLE COM MODERAÇÃOÉ verdade, sua espontaneidade na internet é adorada pelo mundo. Só tem um probleminha: ela também pode dar uma baita duma dor de cabeça. Profissionais de RH e empresas de recrutamento incorporaram a pesquisa online a seus processos seletivos, por causa da profusão de candidatos com uma vida virtual ativa. E participar de comunidades como "Eu já fui pro trabalho bêbado" virou um comportamento de risco. "Pode até ser uma brincadeira", diz Eline Kullock, presidente da empresa de recrutamento paulista Grupo Foco. "Mas vira um sinal de alerta para nós."

Para saber mais
Wikinomics, Don Tapscott e Anthony
Williams, Editora Nova Fronteira, 2007.


Parte 7O segredo da vida

Durante 70 anos, o mais fascinante estudo científico já feito acompanhou a vida de 260 homens. E comprovou: nem dinheiro nem saúde garantem a felicidade. O segredo da sua alegria está nos seus amigos.

"Os dois homens eram muito diferentes. Os olhos de Mike se encheram d’água quando ele falou do seu casamento, e ele sentiu muito prazer ao relembrar as férias em família. Já a conversa com John foi sofrivelmente antisséptica. John, aos 47 anos, parecia ter 60. Já havia passado por 3 casamentos e havia sido proibido de visitar os 3 filhos das relações anteriores. Mike passou a vida trabalhando em órgãos sociais dedicados aos mais pobres e fazia trabalho voluntário. John era cirurgião, mas ganhava muito pouco. Fazia consultas médicas para o governo da Flórida, mas sua motivação era a estabilidade, não o serviço ao próximo. Mike tinha muitos amigos próximos. Quando perguntado sobre amizades, John respondeu: ‘Não tenho amigos no momento’. Isso nunca havia sido diferente."

Qual o segredo da felicidade? Se houvesse uma receita para a alegria, de que ingredientes seria feita? Essa questão, que ocupa filósofos há milênios, foi abordada num dos maiores estudos já realizados, o Grant Study, coordenado pela Universidade Harvard, nos EUA. As histórias de Mike e John aparecem nesse estudo. Iniciada em 1937, a pesquisa acompanhou a vida de 268 homens em todos seus percalços: casamento, paternidade, carreira, envelhecimento. Durante os últimos 72 anos, os pesquisados foram submetidos a exames médicos, testes psicológicos e responderam a entrevistas. Alguns fizeram história: um se tornou editor do Washington Post, Ben Bradlee, e outro chegou à Presidência dos EUA - era John Kennedy. Um terço deles sofreu com problemas psiquiátricos e muitos viraram alcoólatras. Os arquivos resultantes do trabalho são fichas grossas como dicionários que só começaram a ser abertas recentemente, quando os homens pesquisados caminham para a morte. E o resultado é surpreendente. As relações que os analisados cultivavam aos 47 anos permitiam prever com precisão se eles se sentiriam felizes na idade avançada. Por isso, depois de revisar o material nos últimos anos, George Vaillant, coordenador da pesquisa há 42 anoszz, disse: "A única coisa que realmente importa são suas relações com as outras pessoas".

Faz bem ter amigos

Vários estudos têm se dedicado a pesquisar o poder da amizade sobre a longevidade e a qualidade de vida. Um deles acompanhou 2 835 mulheres australianas durante 10 anos e concluiu que aquelas que eram socialmente isoladas, após receberem um diagnóstico de câncer de mama, tinham 66% mais risco de morrer do que as cercadas por amigos e parentes. Outro estudo, realizado na Suécia, mostrou que, ao lado do tabagismo, a falta de redes sociais - ou seja, amizades - foi o principal fator de risco para o desenvolvimento de doenças coronárias entre homens. Há até um cálculo para medir a influência das boas amizades: cada amigo feliz aumenta em 9% a nossa probabilidade de nos sentirmos felizes também. Tantos benefícios fazem sentido evolutivamente. Durante milênios, a vivência em grupos aumentou as chances de sobrevivência dos humanos. Quer dizer, era aprender a viver em sociedade ou morrer. De certa forma, no mundo moderno, as amizades também são essenciais para quem as cultiva. Pesquisas mostram que os gestos de carinho produzem benefícios não só para quem os recebe mas também para quem os cede. Um exemplo disso é que as pessoas que dizem a um amigo como ele é importante para elas têm 48% mais chance de estar extremamente satisfeitas com suas amizades. Ou seja, ter amigos é quase um ato interesseiro. "Ao fazer amizades, o ser humano age em seu próprio interesse, mas não o faz conscientemente. A motivação para essas alianças não é meramente calculista. Psicologicamente, precisamos desses laços afetivos", diz o biólogo Eduardo Ottoni, pesquisador de psicologia evolucionista na USP.

Mas, para desfrutar desses benefícios, é preciso ter a habilidade de fazer amizades. Uma característica que, você já deve ter percebido, não é igualmente distribuída por aí. Por que algumas pessoas parecem ímãs de amigos e outras têm tanta dificuldade em manter relações? "As amizades requerem trabalho para cultivá-las. A gente não tem amigos, a gente faz amigos. E quem os tem em maior número são geralmente aqueles com capacidade de gerenciar esses relacionamentos e não negligenciá-los", diz Rebecca Adams, socióloga da Universidade North Carolina. Tanto esforço é recompensado principalmente na idade avançada. É na velhice que se torna essencial se manter ativo e com novos projetos - algo que as amizades propiciam. No fim da vida, se sentir útil traz mais benefícios para nós mesmos do que para os demais. E é isso que o estudo concluiu. "Desde que nascemos, somos neurologicamente preparados para valorizar o afeto sobre todas as coisas. Fama, sexo e grandes banquetes passam; no fim das contas, ninguém consegue abraçar dinheiro. Exercícios, peso saudável e educação cuidam da saúde. Mas são os laços de afeto e amizade que asseguram a alegria", diz Vaillant, o mentor do Grant Study. Os dois participantes do estudo do começo desta reportagem comprovam a tese: Mike, cheio de amigos, viveu uma vida feliz até os 70 anos. John, solitário, se matou aos 53.


Para saber mais

Adaption to Life
George Vaillant, Harvard University Press, 1998.
http://super.abril.com.br/cultura/ciencia-ser-voce-622469.shtml?utm_source=redesabril_jovem&utm_medium=twitter&utm_campaign=redesabril_super

COMO ACEITAR E DESAPEGAR-SE DA DOR EMOCIONAL

Todos queremos sentir-nos bem a todo o momento, por isso, quando nos sentimos mal, mesmo que temporariamente, experimentamos algum tipo de dor emocional. Se os sentimentos negativos se mantiverem por um tempo prolongado, pode levar-nos a um apego de identidade a esse estado incapacitante. Podemos entrar numa luta contra a dor emocional, rejeitando-a. Num estado de rejeição do nosso próprio estado, num estado de ressentimento perante algo que nos causa mal-estar, ficamos numa posição difícil para superar os sentimentos negativos que nos abrem constantemente feridas emocionais. Eventualmente, julgamos que algo de errado se passa connosco, que devemos ter um problema grave, ou que estamos a ser vítimas de um problema psicológico que nos ultrapassa. Provavelmente nada disso se passa, o que na grande maioria das vezes acontece, é que, por desconhecimento, julgamos que não conseguimos suportar a dor emocional, e que ela tem forçosamente de fazer-nos infelizes. Mas não tem. Aceitando e aprendendo a desapegar-se da sua dor emocional, você consegue ficar capacitado para suportar o mau momento que possa estar a atravessar e, permitir-se a focar alguma da sua energia em estratégias de melhoria, sem que se sinta diminuído ou esmagado pelo sofrimento emocional.


CICLO VICIOSO NEGATIVO

Quando julgamos que a dor emocional, o mal-estar, a ansiedade ou um estado deprimido tomou conta de nós, mesmo que seja sem uma forte razão, a nossa mente tem tendência para começar a tecer comentários em tom de crítica negativa acerca de nós mesmos. Aqui começa a espiral negativa que pode efetivamente tornar-se no seu maior problema. Ou seja, o seu estado menos bom que poderia ser temporário, dado que não conseguiu aceitá-lo e separar-se dele (separar-se da sua identidade) ganhou vida própria e começou a minar todas as suas áreas de vida.

Exemplo: Eu não me sinto bem hoje. Sinto-me abatido. Ao longo do tempo tenho vindo a sentir-me deprimido, e hoje não é um bom dia. O que me apetece fazer é voltar para a cama, enrolar-me nos cobertores e dormir, ficar longe de tudo e de todos. Faço qualquer coisa para tirar a minha mente do foco dos meus sentimentos e dos meus pensamentos derrotistas e desesperançados. A pior parte do meu estado de abatimento e desânimo é muitas vezes o que se passa na minha cabeça. A minha voz interior faz disparar alguns pensamentos muito bizarros, depois de algum tempo eu ligo-me a esses pensamentos e sinto-me ainda pior:
“O que está errado comigo? Tudo está bem na minha vida e eu ainda estou deprimido. Sou um perdedor.”
“Oh, ótimo. Mais um dia em que não vou fazer nada. Sou tão preguiçoso.”
“Se as pessoas realmente soubessem como sou, elas não iriam acreditar numa palavra que eu dissesse.”
“Eu não presto”.
“Sou um fraco.”

Deixe-me adivinhar. Você já teve experiências semelhantes a esta. Você pode não estar deprimido, mas talvez tenha andado ansioso, preocupado, ressentido ou agitado. Ou talvez você se sinta angustiado, confuso, indisciplinado, e sem foco. Ou talvez esteja a passar por um momento difícil devido a um conjunto de razões. E, a sua voz interior deita-o abaixo, e eventualmente você sente que entrou num ciclo vicioso.

A RESISTÊNCIA É INÚTIL 

Inevitavelmente aquilo em que focamos a nossa atenção expande-se. E, isso é igualmente viável para todos os nossos sentimentos e sofrimento emocional. Claro que tudo aquilo que você mais quer é ver-se livre do seu mal-estar, eventualmente dizendo: “Eu não me quero sentir assim.” O que acontece é que apenas por ação da vontade nós não conseguimos mudar de estado. Conseguimos mudar sim, mas temos de implementar estratégias de mudança de foco da atenção e de orientação de pensamentos e ações. Então, quando você não aceita os seus sentimentos negativos e sensações corporais negativas, aciona o processo de foco sobre o seu estado de mal-estar, aumentando ainda mais a sua dor emocional.

Você tem de entender que as emoções negativas e pensamentos negativos expressam-se em nós, fazem parte de nós. Não resistir-lhes é uma benção que permite aceitá-los. Ao aceitar você fica numa posição para lidar de forma mais eficaz com todo o seu incómodo, dando-lhe disponibilidade mental para dirigir o foco para estratégias que contribuam para melhorar o seu estado atual.


A saber: A resistência tende a ampliar o efeito dos pensamentos e sentimentos dolorosos, em vez de reduzi-los ou fazer com que se extingam.
PRATICAR O DESAPEGO

Faça este pequeno exercício comigo: Coloque as palmas das mãos para cima. Agora, traga as suas mãos até ao seu rosto, para que fiquem a alguns centímetros do seu nariz. O que você vê? Provavelmente, você pode ver pequenos raios de luz através das pequenas aberturas entre os dedos e pode ver alguns objetos nebulosos na sua visão periférica. Agora imagine que eu estou sentado à sua frente e, você mantém a posição das mãos. Você pode ouvir-me, mas será que se sente ligado a mim? Você pode ver as minhas expressões faciais e linguagem corporal? Certamente que toda a sua perceção fica alterada pelo seu campo de visão.

Será que com as mãos nessa posição, você pode funcionar eficazmente? Você pode dirigir um carro, usar um computador, ou dar um abraço em alguém? Agora o que vamos fazer? Uma vez que as nossas mãos são uma parte de nós, sabemos que não podemos livrar-nos delas. Então, precisamos afastá-las para longe do nosso nariz, precisamos ter mais espaço para que possamos ver o que está acontecendo ao nosso redor e ser capaz de interagir com o mundo.

Agora abaixe lentamente as mãos para longe do seu rosto. Observe como você pode ver com mais claridade tudo o que está ao seu redor. Aproxime as mão das suas pernas, deixe-as separadas e a descansar confortavelmente nas suas pernas. As suas mãos estão agora livres para dirigir um carro, usar um computador, e dar um abraço a alguém . E você pode ver-me e a tudo o mais que esteja na sua frente.

As suas mãos representam os seus pensamentos e sentimentos quando você está viciado e apegado a eles. Quando as suas mãos estavam na frente do seu nariz, que simbolizava o quão focado você estava na sua experiência interna que não conseguia interagir muito bem com os outros, ver o que estava acontecendo ao seu redor, ou ter um funcionamento eficaz.

Então, como é que você vai baixar as suas mãos, ou seja, como se desapega dos seus pensamentos e sentimentos que lhe provocam dor emocional?


Dica: Permita-se a experienciar os seus sentimentos e pensamentos, e aceite-os exatamente da forma como eles se expressam em você, sabendo que tem a capacidade para regulá-los.
OBSERVE A SUA EXPERIÊNCIA

O objetivo de aceitarmos e desapegarmos-nos dos nossos pensamentos e sentimentos é tornarmo-nos mais conscientes das nossas próprias experiências. Simplificando, é estar consciente da nossa experiência presente sem julgamento (atenção plena). Não quer dizer que não possamos posteriormente avaliar se os pensamentos e sentimentos nos servem ou não. Devemos fazê-lo numa fase posterior, mas levando dois pontos em consideração:
Não podemos deixar de sentir determinados sentimentos que se manifestam no nosso corpo, nem podemos evitar que determinados pensamentos nos surjam na mente.
Nós não somos os nossos sentimentos nem pensamentos, pelo que devem ser filtrados pela nossa consciência para que não julguemos que somos tudo o que sentimos ou pensamos.

Assim, quando a nossa mente produz pensamentos que são angustiante para nós, numa primeira fase deveremos apenas observá-los. Não devemos acrescentar mais nada a esses pensamentos ou julgá-los de qualquer forma. Devemos fazer como se fossem automóveis a passar à nossa porta de casa.

Seguindo o exemplo anterior: Se na minha mente disparasse o pensamento: “O que está errado comigo? Tudo está bem na minha vida e eu ainda me sinto deprimido. Eu sou um perdedor.” Eu poderia continuar a elaborar algumas das seguintes respostas:

“Eu não deveria ter esse pensamento. Não é bom para mim.”
“Eu realmente sou um perdedor”.
“Eu odeio quando eu acho estas coisas acerca de mim!”

Mas esses pensamentos são disparados porque eu estaria a resistir à ideia inicial. Os meus esforços para me livrar do pensamento doloroso só iriam resultar em mais dor. Seria como se eu trouxesse as minhas mãos para mais perto do meu rosto, em vez de afastá-las e melhorar o meu campo de visão.

Então, em vez de todo este processo de raciocínio destrutivo, se eu tivesse apenas observado o meu pensamento, sem juízos, eu diria a mim mesmo: “Ah, estou a ter um pensamento que me alerta que algo pode estar errado comigo. Eu não sou este pensamento. Eu não vou seguir este pensamento. Vou focar-me nas coisas que tenho que fazer hoje.”

E é isto. Numa primeira fase observe a sua experiência interna (pensamentos e sentimentos) sem julgamento e sem críticas. Não lute com aquilo que sente no seu corpo ou que lhe aparece na mente, não tente evitar essa experiência. Permita-se apenas a observá-los como se fossem um automóvel a passar à porta de sua casa. E se é um pensamento que passa na sua cabeça, você pode deixá-lo ir, tal como deixa ir o automóvel que passa à sua porta.

PERMITA-SE A VIVER A SUA EXPERIÊNCIA

Em vez de resistirmos ao nosso humor deprimido, angústias ou dor emocional, tentando livrarmo-nos do incômodo, processo que só nos liga ainda mais ao sofrimento, ao invés, devemos criar espaço para experienciarmos o incômodo e permitir que se manifeste em nós.

Somos seres sensíveis, não podemos não sentir. Os nossos sentimentos e pensamentos manifestam-se no nosso corpo. Negá-los, é negar a nossa natureza humana, é diminuirmos-nos, rejeitarmo-nos, anularmo-nos. E, isso é tudo o que não devemos fazer se queremos florescer.

É útil, permitir-se a viver a sua experiência. Por exemplo, quando se sentir deprimido ou angustiado, tente perceber em que parte do seu corpo sente alterações físicas. É na zona da garganta? No peito? Na nuca? No estômago? Independentemente da parte do corpo onde sente o seu incômodo, importa permitir-se a senti-lo. Observe-o. Crie um espaço para a sua manifestação. Fique temporariamente com a sua dor, angústia ou ansiedade. Em seguida aceite. Depois, oriente a sua atenção no sentido de aprender a lidar com os seus sentimentos e pensamentos, regulando-os, até que possam diminuir ou extinguir-se.

Então, por exemplo, ao invés de ficar preso na minha depressão, lutando contra ela, eu posso aceitá-la como ela é. Isto é semelhante a deixar as minhas mãos afastarem-se para longe do meu rosto, abrindo a minha capacidade de viver uma vida mais significativa.


É importante que você perceba uma coisa: Mesmo quando permitimos que as nossas mãos se movimentem suavemente em direção às nossas pernas, elas ainda estão lá. Nós não temos de livrar-nos das nossas mãos, não é? Então, também não temos de nos livrar da capacidade de sentirmos dor emocional. Temos sim de orientar o nosso foco noutra direção.

Ainda que todo este processo e explicação de aceitar e desapegar-se da sua dor emocional possa não resolver totalmente problemas específicos, como a ansiedade, depressão, angústia, traumas, ou outro tipo de problemas psicológicos, ele é útil no sentido de você deixar de ficar esmagado pelos seus sentimentos e pensamentos negativos. Você aprende a deixar de ficar negativamente condicionado pelo seu padrão mental negativo que criou ao longo dos anos. Isso permite que você crie um espaço em volta dos seus pensamentos e sentimentos, permitindo-se a experienciá-los sem que afetem negativamente a sua vida e quem você pretende ser. A aceitação e o desapego permite que você consiga continuar o seu dia a dia, mesmo quando não se sente bem. A outra grande benesse, é que você deixa de usar grande parte da sua energia contra você mesmo ou tentando resistir ao fluxo e refluxo natural da vida. Você irá conseguir mais facilmente ligar-se às pessoas significativas da sua vida, evolver-se com o mundo ao seu redor, e ser funcional a partir da sua experiência interior dolorosa, ao invés de ter de esperar até que se sinta melhor.

A aceitação e desapego é uma prática que eu o encorajo a tentar. Certamente você vai encontrar paz interior, deixar de lutar contra você mesmo e desapegar-se dos seus pensamentos bizarros e incapacitantes que pontualmente atravessam a sua mente.


http://www.escolapsicologia.com/como-aceitar-e-desapegar-se-da-dor-emocional/

Algumas Frases de NELSON ROLIHLAHLA MANDELA

Ninguém nasce odiando outra pessoa por causa da cor da pele, origem ou religião dela. 

As pessoas certamente aprende a odiar. E se pode, aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar já que o amor surge de forma de forma natural nos corações das pessoas que seu oposto.

O que realmente conta na vida não é apenas o fato de termos vivido; é a diferença que fizemos nas vidas dos outros que determina a importância da nossa própria vida.

A educação é a arma mais poderosa que se pode usar para mudar o mundo.

Porque ser livre não é apenas romper as correntes que aprisionam alguém, mas viver de forma a respeitar e ampliar a liberdade dos outros. 

A maior glória na vida não é nunca cair, mas se levantar depois de cada queda.