A vida líquida é a vida que se vive na modernidade líquida. Uma sociedade líquido-moderna é aquela em que as condições de ação dos membros mudam numa velocidade maior do que a capacidade deles de consolidar seus modos de ação em hábitos duradouros. Aquilo que valia para uma situação específica no passado rapidamente perde sua validade antes que se possa criar um costume. O valor central é a instabilidade. A sociedade líquido-moderna alimenta a vida líquida, e vice-versa. Ambas não podem manter sua forma por muito tempo.
Numa sociedade líquido-moderna, não há tempo para aprender com o hábito, pois os meios de ação se tornam rapidamente obsoletos. Existe uma imprevisibilidade quanto às tendências futuras, pois a maioria das variáveis envolvidas numa equação é desconhecida, o que acarreta na inconfiabilidade dos cálculos e prognósticos.
Em resumo, a vida líquida é vivida em condições de incerteza constante. O maior medo gerado neste tipo de vida é o de não acompanhar a rapidez das mudanças, de ficar para trás. A vida líquida é uma sucessão de reinícios, ou melhor, uma sucessão de finais, pois livrar-se das coisas tem prioridade sobre adquiri-las.
É preciso acelerar o ato de adquirir para que se possa ter o prazer de jogar fora. É o ato de jogar fora que confere sentido ao de adquirir. A instrução mais necessária não é a de como começar, mas como chegar ao fim (de um relacionamento, por exemplo). A ênfase recai em esquecer, apagar, desistir e substituir.
A sobrevivência dessa sociedade e o bem-estar de seus membros depende da rapidez com que os produtos são descartados. Nada pode ter a permissão de se tornar incômodo ou indesejável. A constância das coisas é o perigo mais assustador e mais atacado. Deve-se jogar fora tudo que gere desconforto, numa espécie de desapego que nos libera para o consumo de algo novo.
A vida numa sociedade líquido-moderna não pode ficar parada. Deve modernizar-se ou morrer. Isso significa se livrar do ultrapassado e buscar sempre o último modelo. A necessidade é a de correr para permanecer estável na instabilidade. A vida líquida caminha no sentido da destruição dos modos de vida anteriores, e das pessoas que os praticam. É como uma “dança das cadeiras”, e a globalização eleva essa competição para o nível global.
As chances mais amplas de vitória pertencem às pessoas que circulam perto do topo da pirâmide global. Pessoas voláteis, que estão em casa em todos os lugares e em nenhum lugar. Que vivem numa sociedade de valores voláteis, descuidada com o futuro, egoísta e hedonista. A arte da vida líquida consiste em valorizar a desorientação, a obsolescência e a falta de um itinerário.
Um exemplo é o padrão de sucesso empresarial de Bill Gates, que prospera na medida em que torna os próprios produtos obsoletos e ultrapassados numa velocidade cada vez maior. O horizonte ideal é aquele em que tudo que se torna enfadonho é substituído, incluindo o emprego, o lar e as relações sociais, como na cidade fictícia de Eutrópia, do livro Cidades invisíveis de Ítalo Calvino. Os membros da sociedade líquido-moderna devem fluir como a água, seguir a corrente. Não podem se estagnar ou se prender a nada, nem mesmo a opiniões e visões de mundo. Devem se ligar apenas temporariamente às coisas. Tudo deve ser passageiro.
As pessoas da base da pirâmide, no entanto, não tem a opção de fluir como os membros mais privilegiados. Estão presos pelo pertencimento à comunidade. Uns não os deixariam sair, enquanto outros não os deixariam entrar. Os poucos que se arriscam a abandonar a comunidade de pertença enfrentam a miséria corporal e o trauma psíquico. Como contraste, o autor nos lembra que na Grécia antiga o exílio era equivalente à pena capital.
Entre a base e o topo, as pessoas são atormentadas pelo problema da identidade. Entra o conceito de “lumpen-proletariado espiritual”, cunhado por Andrzej Stasiuk. O lumpen-proletariado espiritual é descrito como um vírus que faz as pessoas viverem o presente pelo presente. O mundo não é mais dado por herança, e isso traz a liberdade de movimento por um lado, mas a destituição e a privação por outro, e por isso não há problema em explorar o mundo a seu bel-prazer. Não sobra espaço para se preocupar com algo que não pode ser consumido no presente.
A eternidade é rejeitada porque o presente é infinito em possibilidades. Por exemplo, há mais livros para ler do que se poderia ler em muitas vidas. O que importa é a velocidade, e não a duração, pois com a velocidade certa se pode consumir toda a eternidade no presente contínuo. A eternidade deve ser comprimida numa vida terrena. Trata-se de extrair numa vida mortal tudo que a imortalidade poderia oferecer.
Num mundo desacelerado as pessoas preenchiam o abismo entre sua própria finitude e a eternidade do universo com esperanças de reencarnação ou ressurreição. No mundo acelerado, essas esperanças podem ser descartadas, pois uma vida acelerada pode produzir os prazeres de muitas vidas comprimida numa só. Ao deixar de se preocupar com a eternidade, o auto-sacrifício perde seu valor, pois tudo pode e deve ser conseguido imediatamente.
A vida liquida é uma vida de consumo. Tudo se torna objeto de consumo. Estar dentro do “prazo de validade” é valor de consumo por si só, e o fato de algo ser novo deixa de ser uma qualidade e passa a ser uma função. No mundo líquido-moderno, a lealdade é motivo de vergonha. O que é novo é consumidoristicamente correto.
O consumidor deve se tornar mercadoria, pois só tendo valor de uso eles podem ter acesso à vida de consumo. Você consome para ser consumido e é consumido para consumir. Ser consumido significa ser objeto de cobiça, passar inveja. Os outros devem desejar ser você e consumir o que você consome.
A vida líquida alimenta a insatisfação do eu consigo mesmo. O mundo exterior tem um valor instrumental, e é devastado em nome da reforma constante do eu na sua busca por auto-satisfação. Até mesmo a recente preocupação com o meio ambiente deve sua popularidade à percepção de um vínculo entre o uso predatório dos espaços planetários e as ameaças ao fluxo suave das atividades autocentradas da vida líquida.
A busca da felicidade é o motivo supremo da vida líquida, e a infelicidade impulsiona a política da vida autocentrada, como um mecanismo autopropulsor. Este mecanismo tem a capacidade de absorver e assimilar as tensões e fricções que ele mesmo gera e usá-las em seu proveito. A demanda por alívio, gerada pelas tensões, é o que mantém o mecanismo funcionando.
A educação é vista como solução para aliviar as pressões dos fatos sociais, mas não se sabe se os educadores serão capazes de resistir a essas pressões. Citando Richard Rorty, Bauman diz que as esperanças da educação superior recaem não sobre a capacidade de apontar o que é certo, mas sim de incitar a dúvida, desafiando o consenso prevalecente. Este intelectualismo humanista se torna alvo de ataque para os defensores do fim da história, da escolha racional e das políticas fatalistas. Isso provoca ataques de irrealismo, utopia, pensamento positivo, fantasias e reversão da verdade ética, o que resulta em irresponsabilidade.
Uma sociedade democrática (ou, segundo Cornelius Castoriadis, autônoma) não conhece substituto para a educação na tarefa de influenciar sua própria mudança, e ao mesmo tempo a natureza da sociedade não pode ser preservada sem a pedagogia crítica, que faz a sociedade se sentir culpada perturbando as consciências. A educação produz a insatisfação com o grau de liberdade oferecido pela sociedade democrática, o que forma um círculo vicioso, no qual, porém, as esperanças humanas, segundo Bauman, residem.
O autor conclui dizendo que o livro pretende ser uma coletânea incompleta de ideias sobre vários aspectos da vida líquido-moderna, com a perspectiva de tornar o mundo humano um pouco mais hospitaleiro para a humanidade.
Referência:
BAUMAN, Zygmunt. Vida Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 7-23.
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