Sem tecnologia o homem não é nada. Sem tecnologia um país não é nada.
Antes de dizer “não” à tecnologia, você já a vestiu. Olhe para sua calça. Não há um zíper aí? Pois então: é tecnologia. Os tecidos sintéticos, a manufatura do sapato, a máquina do relógio — você, leitor, é um cabide de tecnologia. Para comprar essa sua roupa você pegou algum veículo motorizado, foi até a loja, escolheu, deu um cheque ou cartão de crédito. Para a roupa ir da fábrica até a loja, também precisou de veículo, cálculo, logística — isto é, de tecnologias costuradas entre si. O pente, o xampu, o perfume, o sabonete, tudo que você usou antes de vestir a roupa também precisou de tecnologia. Polímeros, já ouviu falar? Já esteve numa indústria que produz xampu e visitou seu departamento de pesquisa? Cada microscópio daqueles usa... tecnologia. Por sinal, já nem sequer existem laboratórios sem computadores. Toda essa revolução da biogenética que estamos testemunhando nada seria sem os computadores. Assim como você não consegue imaginar sua vida sem TV, CD, rádio, PC, telefone e todas essas outras incontáveis siglas que cabem no armário da: tecnologia.
Ah, sim, existem roupas cuja função parece mais a de ostentar uma etiqueta do que a de vesti-lo confortavelmente. Alimentos devem vir direto da natureza, sem agrotóxicos, frescos como o orvalho. Celulares irritam, como ironizou memoravelmente Ettore Scola no filme O Jantar, quando o restaurante inteiro procura o telefone que está tocando. Certas pessoas acham que ter o carro e a engenhoca de última geração é como ser um extraterrestre no meio de um bando de gente obsoleta. A Internet ia revolucionar a economia e o comportamento até criar uma nova ordem cósmica(ou uma absoluta anarquia virtual; dá na mesma) e eis o Nasdaq andando para trás feito Curupira. O “fast-food” e o entretenimento abusam da tecnologia para fingir que não são aquilo que são por excelência: descartáveis. Nossa carteira tem tanto cartão que nem sabemos as tantas utilidades que nos fizeram subscrevê-lo. Os e-mails entopem a memória do computador e o DVD que você comprou não serve para a área geográfica do aparelho.
Mas agora volte e releia os elogios á tecnologia do primeiro parágrafo e as críticas a ela no segundo. Repare: as criticas não são a tecnologia, mas ao modo como ela nos domina ou domina nossa vida cotidiana, ampliando o estresse e a frustração. Sem tecnologia o homem não é nada. Sem tecnologia —atenção, Brasil! — um país não é nada. Os produtos, as logísticas e os entretenimentos, sem tecnologia, seriam muito mais toscos e caros. Mas a tecnologia sem os homens e os países também não é nada. É da criatividade sem fronteiras daquele cientista indiano que trabalha em Londres ou daquele japonês que dá aulas nos Estados Unidos que vem a esperança do homem no homem, tanto quanto dos direitos civis, dos acordos de paz. da possibilidade de comer todo dia, das artes e suas interpretações. E a pesquisa em ciência e tecnologia que faz o ser humano lembrar que tem a faculdade de resolver problemas, especialmente os que ajudou a criar, Quem criou a bomba atômica não foi a tecnologia, foi o homem que um dia se viu diante da realidade de sua construção. A mesma tecnologia pode espalhar uma mensagem atômica pelos quatro cantos do mundo para dizer que ela, tecnologia, é uma roupa que vestimos porque precisamos e queremos — e a qual podemos também tirar quando queremos e precisamos.
Daniel Piza
Editor-executivo e colunista do “O Estado de São Paulo”.
Revista Classe, pág. 28
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